QUERIDO AMIGO ARIANO
Carta escrita por Paulo Freire, em 31 de maio de 1968, desde Santiago, no Chile, a seu amigo Ariano Suassuna. Na correspondência, Paulo Freire agradece ao "fraterno, risonho e confiante" amigo pelo apoio "desde o primeiro momento" de perseguição política, que resultou no exílio de Freire naquele país. Esse importante documento faz parte do acervo documental de Ariano Suassuna, que foi organizado, em 2007, sob coordenação do professor Carlos Newton Júnior (Departamento de Artes, CAC/UFPE). .
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Carta manuscrita, em caneta azul sobre papel timbrado no canto superior esquerdo, com nome e endereço do autor, então residindo em Santiago, Chile. Data no canto inferior esquerdo (31 de maio de 1968). Há dois acréscimos ao texto: no canto superior direito e no canto inferior direito, logo após a assinatura. |
Querido amigo Ariano:
Há poucos dias lhe escrevi, perguntando-lhe, inclusive, como andava minha situação. Volto agora a fazê-lo, depois de ter sido informado pela imprensa, brasileira e chilena, do resultado de meu processo e de ter recebido um telegrama amigo de Monte e Paulo Cavalcanti, confirmando a notícia.
Escrevo-lhe agora, meu velho amigo, para dizer-lhe de minha sincera gratidão pelo interesse que você teve, desde o primeiro momento, por meu caso.
Nunca me esqueço de sua valentia de querer bem, quando, ao chegar ao aeroporto do Recife, vindo de Brasília, num momento em que tudo era penumbra, interrogação, desconfiança, medo, denúncia, fuga, negação; em que os "amigos", antes e depois que o galo cantasse — não importava — diziam: "Quem é? Não conheço. Jamais vi este homem! " Ou, o que era pior: "Conheço este homem, sempre desconfiei de suas intenções malvadas", lá estava você, fraterno, risonho, confiante, ao lado de Monte, ambos abraçando-me. Abraçando-me, quando cumprimentar-me, simplesmente cumprimentar-me, era uma ameaça a quem o fizesse. Você, Monte e outros, muitos outros, foram o contrário de alguns. Entre estes, nunca me olvido também, sem rancor e sem ressentimento, do testemunho de um professor da universidade, que, ao dobrar uma esquina — a do cinema São Luiz — me divisou a uns 10 metros de distância e fez então o mais difícil: andou de lado...
Você, pelo contrário, veio sempre de frente ao meu encontro, a nosso encontro. Encarcerado, você procurava Elza, enquanto os que andavam de lado perderam nosso endereço...
Nesta carta "sencilla" nada mais lhe direi além do meu, do nosso muito obrigado.
Do amigo-sempre,
Paulo Freire
Santiago, 31.5.68.
Acréscimo no canto superior direito:
(Tive medo de ofender a Monte — como a Paulo — perguntando quanto devo. Que me diz você? Que orientação me dá?)
Acréscimo no canto inferior direito:
Gostaria de escrever a Paulo Cavalcanti. Para onde? |