Mensagem de Páscoa 2022
“Duelam o Forte e o Mais Forte, a Vida vence a Morte”.
(Da Sequência Pascal)
A Páscoa é uma daquelas festividades que desafiam a lógica que organiza as relações do mundo. Entre os cristãos, por exemplo, celebrar a ressurreição de Cristo significa que a vida não pode ser contida por nenhuma estrutura de morte. Se as relações presentes no mundo são pautadas por uma lógica em que o grande se alimenta do pequeno, como dizia Pe. Antônio Vieira no Sermão de Santo Antônio aos peixes, na proposta de vida dos seguidores de Jesus, o mundo não pode ser assim. O Evangelho já dizia de não servir a dois senhores, a dois princípios (cf. Mt 6,24). Ou a Vida ou a Morte.
O valor do símbolo está relacionado com a realidade que lhe subjaz. A Páscoa não é diferente: sob o mistério da Cruz, os cristãos contemplam a Revelação de Deus. Na cruz, é-nos revelado tudo o que o cristianismo precisa conhecer para cumprir a vontade divina. No entanto, é muito comum, sobretudo na cultura e piedade popular, a associação do mistério da cruz com dor e sofrimento, manifestos, por exemplo, em filmes como A paixão de Cristo, de Mel Gibson, e nas festas religiosas em honra a Bom Jesus dos Passos. Ambas atribuem fortemente um caráter salvífico à experiência da dor, de modo que muitos terminam por entender que o sofrimento seria necessário à salvação e, por tabela, que seria da vontade de Deus. Nada mais longe do que a cruz simboliza.
Uma experiência comum a todos é de como aspectos da vida ganham mais sentido a cada passo dado rumo à liberdade: uma nota de prova para conclusão de semestre; uma nova fase do trabalho; uma dívida quitada; uma ignorância vencida, entre outras situações. Assim, é coerente afirmar que Deus não quer o sofrimento; a dor não tem força de salvação; salvação não é recompensa de quem sofre. Se forem transformadas em afirmações, tais frases justificariam vidas pela metade, contrariamente ao projeto de Deus.
Na Cruz, o cristianismo vê não apenas que a dor é insuficiente para redimir, como também percebe elementos que podem dar sentido à vida. A Tradição cristã, olhando para a Cruz, aprende a ressignificar as realidades da vida cotidiana, numa busca de ver o mundo da forma como Deus vê. Se no mundo antigo sacrifício acentuava sinais de morte, agora o “sacro ofício” é optar por servir a vida; se antes triunfo consistia em garantir riquezas, agora a glória é lutar para que os mais fracos tenham acesso a elas; se houve um tempo em que poder era subjugar os demais à própria revelia, agora é oferta de vida em favor de todos.
A Páscoa, desta forma, traz em si a força regeneradora capaz de recriar não só a vida do sujeito, mas suas relações e seu mundo. Participar dessa realidade é entrar no Reino de Deus. Se isso for verdadeiro, esta festa não pode ser uma realidade a ser vivida apenas no íntimo de cada um: deve transbordar e manifestar-se num compromisso com a Criação. Cada homem e mulher de boa-vontade ganha alento para construir um mundo no qual não exista predação, em que não seja naturalizada a violência nem a opressão. A Páscoa transcende o indivíduo e não se deixa conter nos limites da vida religiosa. A nossa Universidade é parte desse compromisso, pois vive em função da verdade, que, de acordo com o São João, não é um conceito, mas aquilo que é capaz de libertar (cf. Jo 8, 32). Até isso apreende-se da Cruz!
Embora se saiba que nem todos compartilhem da mesma fé, não poderia ser considerado exagero nutrir o desejo de que todos possam usufruir de seus frutos. Como Páscoa significa “passagem”, que entre o povo da Antiga Aliança seria da escravidão para a liberdade, e para os seguidores de Jesus é a da morte para a vida, que esta festa encontre todos os membros desta Comunidade Acadêmica – professores, funcionários e estudantes – desejosos de uma verdadeira mudança de vida e mentalidade; passar de uma vida predatória para uma vida de serviço, compromissada com as mesmas escolhas que Jesus de Nazaré fez e que se perpetuaram na imitação de seus “gestos e palavras, até que volte outra vez”. Jesus ressuscitou, viva a Vida! Uma feliz Páscoa!
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